Covid-19: registros de caso de infecção em gatos no Brasil

Foi aberto um debate sobre a possibilidade de humanos infectarem seus animais de estimação em outubro de 2020

Foi na capital do Mato Grosso, Cuiabá, que se registrou o primeiro caso de Covid-19 em um animal no Brasil. Uma gata com menos de um ano de idade contraiu o novo coronavírus em uma festa de família, em que outras seis pessoas também acabaram infectadas. O diagnóstico inédito do animal foi confirmado após o teste PCR feito pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) dar positivo. 

Outro gato e um cachorro, que também estavam no ambiente da reunião familiar, também apresentaram um diagnóstico positivo. Os resultados, porém, foram considerados inconclusivos, já que a carga viral dos dois animais era muito pequena.

Mas a partir desse caso, foi aberto um debate sobre a possibilidade de humanos infectarem animais de estimação. Existem poucos estudos no mundo sobre este assunto, a maioria concentrado na Europa e na Ásia.

Nas Américas, a única literatura do assunto é brasileira, em pesquisa coordenada pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), necessitando ainda de maiores investigações. O que se sabe é que quanto maior a carga viral em humanos, maior a possibilidade de contaminar os animais. 

Outra preocupação é sobre os animais poderem transmitir a doença para os humanos saudáveis. Mas ainda não há casos conhecidos de que um animal de estimação tenha contaminado seus tutores.

Uma orientação dada pelos cientistas é de não sair com os animais na rua durante a pandemia, e mantê-los com distanciamento de outras pessoas, ou seja, os mesmos conselhos dado aos seres humanos, com apenas uma diferença, não deve colocar máscara no pet. 

Nos estudos feitos em cima dos casos registrados no mundo, os animais têm apresentado os sintomas da doença. Não existem evidências diretas de que gatos infectados podem secretar uma quantidade de vírus suficiente para contaminar pessoas.

Como o estudo foi feito? 

Os cientistas introduziram amostras de SARS-CoV-2 (Covid-19) no nariz de cinco gatos domésticos. Quando dois deles foram eutanasiados seis dias depois, os pesquisadores encontraram RNA viral e partículas do vírus no trato respiratório superior dos animais.

Os outros três felinos infectados foram colocados em gaiolas ao lado de outros gatos saudáveis. Os cientistas depois encontraram RNA viral em um dos animais expostos, sugerindo que ele contraiu o vírus a partir de gotículas respiratórias dos indivíduos infectados. A equipe também constatou que os quatro produziram anticorpos para o novo coronavírus.

Os cientistas também introduziram amostras do vírus em furões. Esses animais já são usados hoje como modelos para vírus respiratórios que podem infectar seres humanos, como o Influenza. Após necropsia, os cientistas também encontraram sinais de infecção viral no trato respiratório superior desses animais.

A mesma estratégia foi usada em cachorros, galinhas, porcos e patos. Nos cachorros foi encontrado RNA viral apenas nas fezes, mas sem sinais de infecção ou em quantidade considerada viável para infecção. Já os outros animais não tiveram nenhum vírus encontrado em suas secreções.

Especula-se que o Covid-19 teve sua origem em algum animal na China. Cientistas de todo mundo querem saber se é possível que a infecção se espalhe entre pessoas e seus animais de estimação. Especificamente os gatos e cachorros, espécies que possuem uma interação bastante próxima com os seres humanos.

O artigo reforça que mais testes são necessários para entender melhor como essa dinâmica pode ou não acontecer. Incluindo saber qual a dose necessária para que o animal seja contaminado e possa transmitir a outros felinos.

Como ainda não se tem certeza da transmissão, o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos EUA recomenda que as pessoas com sintomas da Covid-19 (confirmada ou não por exames) tenham contato limitado com seus animais, evitando beijos, pegar no colo e compartilhar comida. Isso seria apenas uma medida preventiva diante das informações limitadas sobre o tema que existem até aqui.

Um estudo pioneiro desenvolvido na Fiocruz, fruto da parceria de duas de suas unidades, o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI) e o Instituto Oswaldo Cruz (IOC), demonstrou a relação entre a exposição e/ou infecção de animais de estimação e a infecção de seus tutores pelo Covid-19, além de analisar a prevalência do vírus em cães e gatos e possíveis alterações clínicas e laboratoriais associadas à infecção animal.

O estudo, coordenado pelo médico infectologista Guilherme Calvet, do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doenças Febris Agudas, e pelos médicos veterinários Sandro Antonio Pereira, Isabella Dib Gremião e Rodrigo Caldas Menezes, do Laboratório de Pesquisa Clínica em Dermatozoonoses em Animais Domésticos, do INI, contou com a colaboração do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do IOC, referência em coronavírus da OMS para as Américas, na análise dos casos de 21 pacientes e de seus 39 animais de estimação na Região Metropolitana do Rio de Janeiro entre maio e outubro de 2020.

Após a confirmação dos casos humanos de Covid-19, os pesquisadores coletaram as primeiras amostras nasofaríngeas/orofaríngeas e retais dos animais envolvidos para identificar se havia infecção ou exposição ao vírus. T

Também foram coletadas amostras de sangue para realização de Teste de Redução e Neutralização de Placas (PRNT 90) para analisar se os animais desenvolveram anticorpos contra Sars-CoV-2.

Os pesquisadores também avaliaram a presença de alterações clínicas e laboratoriais associadas à infecção animal. Foram feitas até três coletas em dias diferentes de cada animal, sendo a última coleta repetida cerca de 30 dias da primeira.

Os principais resultados da pesquisa demonstraram que, de 21 domicílios diferentes, quase a metade apresentava um ou mais animais de estimação positivos para Covid-19.

Foram nove cachorros (31%) e quatro gatos (40%) infectados ou expostos ao vírus. Os animais obtiveram resultados de RT-PCR positivos de 11 a 51 dias após o aparecimento dos primeiros sintomas de seus tutores.

Entre os cães, três apresentaram dois testes positivos realizados num intervalo de 14, 30 e 31 dias. As amostras de sangue determinaram a presença de anticorpos contra o Sars-CoV-2 em um cão e em dois gatos. Cerca de 46% dos animais infectados apresentaram sinais clínicos leves e reversíveis que podem estar associados à infecção pelo vírus. 

Este trabalho — fruto da colaboração entre o INI e o IOC — é de grande importância, uma vez que não estava claro, no início da pandemia do Covid-19, se os animais domésticos poderiam se infectar ou transmitir o vírus.

A pesquisa foi bastante meticulosa por analisar, além de diversos fatores, o soro de cães e gatos infectados, demonstrando a neutralização viral pelos anticorpos produzidos por esses animais.

Como conclusão, o estudo aponta a importância do distanciamento social de humanos infectados, inclusive com seus animais de estimação, que podem ser infectados. Foi observado também que animais castrados são mais suscetíveis e que dividir a cama com o tutor eleva o risco de infecção. 

ATENÇÃO: Pelos motivos explicados acima, não há motivo para deixar de ter cães e gatos e abandoná-los em caso de estarem positivos para o novo coronavírus.

O vírus pode grudar no pelo do animal? A sujeira que as patas trazem da rua pode representar risco? E as fezes e urina dos animais, podem transmitir o vírus?

Em teoria, um tutor pode infectar os animais através do espirro ou da tosse e a partir de partículas em suspensão. Porém não há estudos que mostrem a permanência do vírus nos tecidos cutâneos (pele e pelos) de cães e gatos.

Em teoria, animais que circulam ou possam ter acesso a áreas contaminadas na rua poderiam carregar o vírus para dentro de casa, mas não há estudos demonstrando essa evidência. Sobre urina, fezes e também saliva, não há nenhum estudo ou evidência científica da transmissão do vírus.

Cloroquina pode ser usada também para cães e gatos?

Não. Não existe nenhuma indicação da cloroquina ou hidroxicloroquina para uso em animais, assim como os estudos não apontam sua eficácia nas pessoas. 

A notícia vinda da Europa de que os donos de gatos teriam alguma imunidade contra a Covid-19 faz sentido?

Tivemos relatos neste sentido, a partir da publicação de uma médica na Espanha, que observou que tutores de gatos tinham sinais menores em relação à doença ou não apresentavam sintomas.

A informação da médica da Espanha é observacional e sem base científica nenhuma. Por isso, não devemos considerar essa hipótese, mas temos outro aspecto menos falado que é o papel dos animais domésticos na casa das pessoas, diminuindo a sensação de isolamento e criando um momento diário de convívio e felicidade, reduzindo assim o estresse e a ansiedade, contribuindo com a saúde mental. Pessoas felizes têm menos estresse e têm melhor escore imunológico, sendo naturalmente menos suscetíveis a doenças.

Morcegos, que eventualmente entram em casas, são um risco de Covid-19 para os humanos? O SARS-CoV-2 veio mesmo de um morcego? 

Não, os morcegos não representam risco. No Brasil, a maior preocupação em relação aos morcegos é a possível transmissão do vírus da raiva. Sobre a origem do Covid-19, temos dois cenários possíveis.

O primeiro tem o vírus evoluindo através de seleção natural em um hospedeiro não humano e pulando para humanos. Não há casos documentados de transmissão de um coronavírus de morcego para humanos.

Mas todos os coronavírus anteriores passaram por um hospedeiro mamífero intermediário antes da infecção humana. A identidade do hospedeiro intermediário SARS-CoV-2 é atualmente desconhecida, mas vários animais foram sugeridos, principalmente pangolins.

Em um cenário alternativo, uma versão não patogênica do vírus teria pulado de um hospedeiro animal para humano e depois evoluído dentro de humanos para seu estado patogênico atual. Mas nenhuma dessas hipóteses foi confirmada até o momento.

Medidas preventivas caso seu animal tenha sido positivado para Covid-19

  • Manipule o animal com proteção de luvas e máscaras. Não abraçar, acariciar, beijar e compartilhar alimentos com o animal infectado;
  • Higienize as mãos antes e depois de contato com os pets, utilizando água e sabão, ou álcool a 70% (líquido ou gel);
  • Isole o animal de outros animais da casa por 14 dias (assim como é recomendado para seres humanos). Não deixe-o sair de casa nesse período, exceto ida ao médico veterinário;
  • Faça desinfecção de todo local frequentado pelo animal, como por exemplo caminha, areia, canil, brinquedos, bebedouros e comedouros, chão, e tudo que o animal teve contato. Para fazer essa limpeza use desinfetantes (amônia quaternária ou hipoclorito de sódio a 1%);
  • Caso alguém da casa tenha testado positivo para o vírus, mantenha-o distante dos animais de estimação e peça ajuda a outra pessoa para cuidar do pet durante seu isolamento. Em casos de pessoas que moram só, ao cuidar do seu animal, use máscara e luvas;
  • Caso saia com seu animal, use coleira, o mantenha distanciado a dois metros de pessoas e outros animais. Evite aglomerações. Ao retornar para residência, limpe as patas do animal com água e sabão neutro ou shampoo específico para o pet; 
  • Use luvas para recolher as fezes do animal no ambiente. Mesmo que ainda não esteja comprovada a contaminação através das fezes, é bom evitar. Após a limpeza, jogue a luva juntamente com as fezes no lixo e higienize as mãos imediatamente;
  • O álcool em gel não deve ser usado nos animais, pois pode provocar lesões dermatológicas;
  • Caso seu pet apresente qualquer sinal clínico que aparente adoecimento, o médico veterinário deve ser consultado. Cães e gatos com Covid-19 podem apresentar febre, tosse, dificuldade de respirar, prostração, coriza, espirros, secreção ocular, vômito e diarreia.  

Gatos que ficam imunes podem ajudar no desenvolvimento de vacinas

Estudo recente mostrou que os felinos que contraem a doença desenvolvem anticorpos que impedem uma reinfecção. Um estudo concluiu que cães e gatos podem ser infectados pelo novo coronavírus, mas a maior parte não desenvolve doença clínica.

Os pesquisadores da Escola de Medicina Veterinária da Universidade Estadual do Colorado descobriram também que a resposta imune desenvolvida pelos gatos é capaz de protegê-los contra uma reinfecção. Segundo eles, o achado pode ser útil para o desenvolvimento de vacinas tanto para animais quanto para humanos. 

Os gatos desenvolvem anticorpos neutralizantes significativos e são resistentes à reinfecção, embora a duração da imunidade neles não seja conhecida atualmente. Isso pode ser um modelo útil para testes de vacinas subsequentes, tanto para vacinas candidatas humanas quanto para animais.

Os cães não são capazes de transmitir o vírus para outros cachorros, os gatos podem transmitir a infecção para outros gatos por contato direto via oral e nasal durante 5 dias após a contaminação. Os cientistas também observaram que, ao contrário dos gatos, os cães não produziam imunidade e estavam sujeitos a novas infecções. 

Felipe
Formado em Administração de Empresas, o hobby pela leitura e escrita naturalmente me levou para o caminho de trabalhar como Redator. Trabalhando há dois anos nas horas vagas. E nas ocupadas também.
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